Startups e demissões em massa: uma história que se repete

É comum vermos nas revistas de negócios, ou mesmo em matérias jornalísticas para o público em geral, o “case de sucesso” de uma startup. Uma pequena empresa de garagem, fundada por jovens empreendedores, rapidamente passa a valer milhões, como em um passe de mágica. Os motivos do sucesso seriam a visão dos fundadores, a soluções inovadoras que fornecem aos clientes e as modernas práticas de gestão de pessoas. O ambiente da empresa, com chopeira e mesa de sinuca, era o paraíso do trabalhador. E tudo isso teria sido possível graças, não a Deus, mas aos “anjos”: investidores bilionários que acreditaram no “sonho”.

Por outro lado, vemos várias notícias de startups que recebem investimentos milionários e efetuam contratações, mas, logo em seguida, demitem em massa seus “colaboradores”. A justificativa para isso é sempre um imprevisto que deixa a empresa em dificuldades financeiras. Isto se tornou mais comum durante a pandemia de COVID-19 (como no caso da Gympass, da GetNinjas, da Stone Pagamentos e da Involves). Porém, tal situação não era inédita, como mostramos no caso da Resultados Digitais.

Trabalhadores e patrões estão no mesmo barco?

Embora os CEOs de startups que praticaram demissões em massa não cansem de escrever comoventes relatos narrando o quão doloroso é ter que demitir pessoas incríveis e que tanto contribuíram com a empresa, é evidente que o principal prejudicado nesta situação é o trabalhador.

Afinal, a diretoria da empresa continua recebendo valores acima de 20 mil reais e mantendo alto padrão de vida. Os fundos de investimento bilionários, que brincam de loteria investindo em startups, não se incomodam com alguns milhões de dólares de prejuízo.

Já os trabalhadores, que dedicaram tantas horas extras no conhecido ritmo acelerado de trabalho das startups, veem seus esforços serem recompensados com o desemprego. Por mais preparados que estes profissionais estejam, procurar emprego é sempre uma incerteza, ainda mais em um mercado cada vez mais saturado de profissionais qualificados.

A narrativa empresarial sobre este tipo de demissão em massa é a do líder que, frente a uma fatalidade, deve tomar uma decisão difícil. Relatos repletos de sentimentalismo descrevem as várias políticas de redução de danos aplicadas pela empresa antes das demissões, mas que não surtiram efeito, restando apenas os desligamentos em massa como alternativa.

Tais relatos costumam ser bem recebidos, com CEOs e “líderes” sendo elogiados pela transparência e humanidade ao lidar com a situação. Mas será que as demissões em massa seriam realmente uma tragédia inevitável?

O mito do fatalismo das demissões

De fato, é muito difícil prever quando uma empresa irá passar por dificuldades. Afinal, o mercado é imprevisível e assolado por crises cíclicas. O cancelamento de um contrato de um cliente importante, a chegada de um novo player no mercado, o estouro de uma bolha financeira nos Estados Unidos, o surto de uma doença incurável ou qualquer outro fenômeno pode causar oscilações de mercado que prejudicam a saúde financeira de uma empresa.

Entretanto, é possível que empresas adotem medidas para manter empregos em tempos difíceis. Por exemplo, uma startup poderia guardar no caixa uma parte dos aportes financeiros milionários que recebe, usando-o para evitar demissões. Porém, não é isto o que acontece, já que os investidores querem que os milhões que injetaram na empresa se tornem bilhões. Empresas existem para dar lucro a seus donos, e, por isso, o auxílio aos trabalhadores fica sempre em segundo plano.

E se, individualmente, as startups agem com descaso ao trabalhador, coletivamente é ainda pior, de modo que o setor empresarial exige dos governos medidas que protejam seus lucros fazendo o trabalhador pagar pela crise.

Isso ficou evidente no período da pandemia do COVID-19, no qual empresas e organizações empresariais brasileiras, ao invés de defenderem políticas de Estado que visassem a preservação do emprego, do salário e da saúde do trabalhador, pressionaram os governos não só para a reabertura do comércio (ignorando as recomendações de organizações de saúde) como também para a aprovação de leis que permitissem redução salarial e de direitos durante a pandemia, como a Medida Provisória 936 de 2020.

Precisamos defender nossos empregos!

Os trabalhadores em startups não podem mais aceitar que seus empregos fiquem à mercê das intempéries do mercado e da boa vontade dos CEOs. Se é verdade que acionistas, CEOs e trabalhadores “estão no mesmo barco” em situações de crise, então não é justo que o trabalhador perca o emprego enquanto os empresários continuam ricos.

É necessário exigir das empresas e do Estado que adotem políticas que preservem empregos, salários e direitos nos momentos em que as empresas passam por dificuldades financeiras. Categorias com tradição de organização sindical, como os metalúrgicos, organizam greves e manifestações ao primeiro sinal de demissão em massa, e conseguem assim manter seus postos de trabalho. Nós, trabalhadores da área de tecnologia, podemos fazer o mesmo, e o Infoproletários se coloca à disposição para ajudar nesta luta.