Trabalho Feminino no Setor de TI

É amplamente difundida, entre as pessoas que trabalham com TI, a história de Ada Lovelace, a primeira programadora da história. São muitos os textos que ressaltam seu pioneirismo e importância ao publicar o primeiro algoritmo para uma máquina computacional, em 1843. A referência a Ada é quase sempre acompanhada da ressalva de que as mulheres são minoria no mercado de trabalho de tecnologias. O que é verdade: no setor de TI brasileiro, por exemplo, as mulheres eram, em 2017, pouco menos de 20% da força de trabalho ocupada.

Outro aspecto que as referências à Condessa de Lovelace costumam lembrar é que a realidade nem sempre foi assim, o que também é verdade. De acordo com a socióloga Barbara Castro (2013), que entrevistou, em sua tese de doutorado², quatro mulheres que cursaram Ciência da Computação na década de 1970 na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). as turmas nessa época eram majoritariamente femininas, e não havia a identificação da computação com o universo masculino. A mudança, segundo constata a socióloga, se dá a partir da década de 1990, conforme a computação vai se tornando central para a dinâmica capitalista e as profissões ligadas às ciências e tecnologias se tornam signos de poder e prestígio. Assim, a baixa participação das mulheres no setor de TI tem relação com a associação, historicamente construída, entre tecnologia e masculinidade.

Mulheres em desvantagem no mercado de trabalho

Essa identificação, da tecnologia com o universo masculino, contribui para a sub-representação das mulheres no mercado de trabalho de TI, gerando uma distorção alarmante no setor: entre os anos de 2007 e 2017, o número de mulheres ocupadas no Core TI (conjunto das empresas cuja finalidade social são atividades tipicamente de TI) aumentou de 21.253 para 40.492, porém, o percentual de participação feminina caiu, de 24,05% para 19,83%¹. Isso porque, do outro lado, a ampliação da taxa de ocupação masculina foi muito maior, de 67.106 para 163.685, um crescimento de 144%¹. 

Distorção semelhante se observa quanto à remuneração das trabalhadoras de TI. Se em 2007 elas recebiam 5,34% a menos que os homens, 10 anos depois, a diferença aumentou para 11,05%. Além disso, as mulheres ganham em média menos que os homens em qualquer ocupação (chega a 16,48% a diferença entre engenheiras e engenheiros em computação). Ganham menos, inclusive, a despeito de terem maior escolaridade do que os homens empregados no setor¹.

Quanto à formação, as mulheres que atuam no setor de TI são mais bem preparadas que os homens do mesmo setor. Enquanto a média de mulheres possuem ensino superior completo, a média masculina possui ensino superior incompleto. Esta diferença de qualificação puxa o salários das mulheres para cima, no entanto quando comparado com homens com o mesmo nível de escolaridade as mulheres continuam recebendo menos.

O drama do trabalho doméstico

Além dessas disparidades, é mais difícil para as mulheres alcançarem o padrão de flexibilidade laboral e de vida exigido pelas empresas de tecnologia. Devido a papéis de gênero e parentalidade tradicionais, as mulheres acumulam atividades de cuidado familiar e do lar, ou seja, de trabalho doméstico, com as tarefas do trabalho profissional. Por isso que, desde a década de 1990, pesquisas observam que as trabalhadoras de TI são mais impactadas pelo trabalho em regime de home office.

As mulheres enfrentam maiores dificuldades em estabelecer os limites entre espaço e tempo de trabalho profissional e espaço e tempo das demais atividades, por causa da forma desigual como se dá a divisão do trabalho doméstico entre os sexos. Muitas vezes o modelo de home office é utilizado como forma para se manter presente na rotina dos filhos e do cuidado doméstico, condicionando as profissionais a terem que executar o trabalho profissional durante a noite e madrugada, reduzindo assim o tempo livre e o tempo de descanso. Considerando os casais heterossexuais, é comum que, mesmo quando os homens dividem a realização das tarefas domésticas, caiba à mulher a responsabilidade por planejá-las, o que acrescenta uma carga mental considerável ao cotidiano das trabalhadoras.

Papéis de gênero afastam mulheres da tecnologia

A divisão sexual do trabalho permeia não apenas os conflitos entre o trabalho produtivo (trabalho assalariado) e o trabalho reprodutivo (trabalho doméstico), mas também os papeis e as funções socialmente caracterizadas como femininas e masculinas: o “soft work” é um termo utilizado para caracterizar as funções que dependem principalmente de habilidades consideradas inatas aos seres humanos, como a comunicação, gestão de pessoas, planejamento e organização de projetos, habilidades estas consideradas naturais a mulheres; enquanto o “hard work” se caracteriza por atividades que dependem de habilidades técnicas como lógica, programação, arquitetura e infraestrutura, e seriam consideradas funções masculinas. Sendo assim são criados nichos de atuação dos gêneros, onde se justificam a atuação da mulher em determinadas funções e não em outras.

Além da dificuldade no ingresso de mulheres no setor é identificada também a dificuldade de permanência destas. O atendimento a diversos clientes, que envolve constante deslocamento e viagens, além dos modelos de trabalho por projetos e entregas que implicam, em sua maioria, em flexibilização contratual, ausência de estabilidade e jornadas de trabalho longas e desreguladas são alguns dos fatores que reduzem o tempo de permanência de mulheres no setor.

Todos os fatores mencionados anteriormente refletem nas condições de trabalho de mulheres em TI e no processo de masculinização do setor. Este processo reflete nas relações profissionais dentro do ambiente de trabalho onde, muitas vezes, são naturalizados discursos e posturas correspondentes a uma masculinidade tóxica, que envolve comentários misóginos e assédio. Assim, as mulheres enfrentam uma série de barreiras para a ascensão profissional e o aumento salarial, além de um processo de exclusão e desvalorização.

Pelo fim do machismo dentro e fora do local de trabalho!

É urgente o reconhecimento destas condições de trabalho das mulheres no setor e a ampliação de direitos e melhores condições para o exercício de suas funções produtivas. A flexibilização crescente das relações de trabalho, da qual o setor de TI é exemplar, é especialmente prejudicial às mulheres. Assegurar maiores remunerações, estabilidade e permanência destas no setor é fundamental para garantir um mínimo de autonomia às mulheres e segurança financeira para superação da dependência em relação aos parceiros – que pode ser caracterizada por relações de abuso e violência.

No entanto, o fenômeno da divisão sexual do trabalho (que permeia todas a condições mencionadas anteriormente) não é um fenômeno transitório: são impostos limites estruturais para a transformação da realidade da mulher dentro deste modelo de produção. Portanto, a ascensão de algumas mulheres a cargos de liderança e inserção intencional de mulheres no setor como forma de diversificação atuam como um telhado de vidro da igualdade baseada no mercado, que não altera a realidade das mulheres e a condição de exclusão e exploração destas trabalhadoras.

Em um próximo texto, trataremos de forma mais profunda dos limites das soluções paliativas para a questão da mulheres no setor de TI e o entusiasmo corporativo pela diversidade baseado em meritocracia e não em igualdade, que mascara a problemática social e econômica do trabalho feminino.


Autores:

Sanchez
Dímitre Moita


Fontes:

¹ SOFTEX. Mulheres na TI: atuação da mulher no mercado de trabalho formal brasileiro de tecnologia da informação. Associação para promoção da excelência do software brasileiro. 2019.

² CASTRO, B. Afogados em contratos: o impacto da flexibilização do trabalho nas trajetórias dos profissionais de TI. Orientador: ARAÚJO, A. M. C. 2013. 388 f. (Tese de Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/280163/1/Castro_Barbara_D.pdf

³ POTENGY, G. F. Espaço e tempo no trabalho para as redes de comunicação e informação. Estudos de Sociologia, 11, n. 21, p. 18, 2006.


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