Na segunda feira passada, 68 trabalhadores foram demitidos da Resultados Digitais (RD), empresa de tecnologia de Florianópolis da área de marketing digital. A RD, mesmo sendo uma startup, figura entre as maiores empresas de Florianópolis, com constantes anúncios de seu crescimento sendo veiculados na mídia (a empresa cresceu de 8 funcionários em 2012 para 553 em 2017).
Segundo relatos, a demissão foi feita simplesmente reunindo os trabalhadores em uma sala, onde receberam a notícia de que estavam todos demitidos, sem responder nenhuma pergunta. Dentre os demitidos, estavam trabalhadores com poucos meses de casa, com filhos, e que haviam recentemente se mudado de outras cidades para Florianópolis com o objetivo de trabalhar na empresa.
Para além da falta de humanidade ao demitir trabalhadores dessa maneira, também há boatos de que os trabalhadores que permaneceram na empresa também sofreram certo tipo de coação: foram informados de que a “linha de corte” para as demissões foi a performance dos funcionários e alinhamento com os valores da empresa (pressionando-os a trabalharem mais), e que receberão um ligeiro aumento (uma espécie de “cala boca” para que não se solidarizem com os demitidos).
Comentários de trabalhadores da empresa, declarações da própria RD e notícias dos meios de comunicação indicam que o motivo da demissão em massa teria sido um “puxão de orelha” dos investidores na diretoria da RD, que havia contratado proporcionalmente mais pessoas para a área de vendas da empresa do que a concorrência. A saída da diretoria para esta situação foi a redução da meta de vendas da empresa, que implicou em uma redução do quadro de funcionários. Ou seja, quando as metas da empresa eram estratosféricas, precisaram de uma quantidade estratosférica de funcionários; quando meia dúzia de acionistas decidiram diminuir as metas, cortam estratosfericamente sem dó nem piedade o quadro de funcionários.
Condições de trabalho na Resultados Digitais
A Resultados Digitais é uma empresa preocupada com sua imagem, investindo pesado em marketing interno e externo. As notícias que encontramos na mídia exaltam o ambiente descontraído da empresa, repleto de pufes coloridos e mesas de ping-pong; os diretores e CEOs estão sempre envolvidos em palestras de como atrair, capacitar e reter talentos e o RH da empresa possui um vasto repertório de discursos motivacionais. Este discurso da empresa cumpre uma dupla função: tanto serve de “flauta mágica” para atrair novos trabalhadores quanto ajuda a garantir a produtividade e a obediência de quem já trabalha na empresa.
Porém, esta lealdade dos trabalhadores à empresa é “recompensada” com assédio e com desrespeito às leis trabalhistas. Por exemplo: é sabido que, na RD, é comum trabalhadores baterem o ponto e continuar trabalhando sem receber horas-extras, a fim de atingir as metas da empresa – metas essas que, devido a ideia vendida, faz os trabalhadores tratarem elas como pessoais. Outros exemplos do descaso da RD com seus funcionários foram a polêmica contratação de um gestor demitido de outra empresa por ter se envolvido em um caso de racismo, que causou insatisfação entre os trabalhadores negros da empresa, e os relatos encontrados em listas anônimas na internet, denunciando que assédio sexual é visto como “normal” dentro da RD. Portanto, não é de se admirar que a empresa tenha demitido 10% do seu quadro de funcionários da maneira que fez: a RD, que sempre colocou os interesses de seus donos acima das necessidades dos trabalhadores, simplesmente optou por fazer uma demissão sem alardes para não manchar sua imagem, sacrificando parte de seus empregados como quem deleta um registro no banco de dados. Dependendo da repercussão do caso, talvez a RD até busque alguma forma de compensar os funcionários demitidos, como forma de manter sua reputação de boa empresa, mas isto somente evidenciará ainda mais o fato de que a prioridade da empresa nunca foi os trabalhadores.
Por que isso acontece?
Isto acontece porque a razão de existir de toda empresa é dar lucro aos seus donos, enriquecendo uma pequena parcela de pessoas, em detrimento dos esforço físicos e psíquicos dos trabalhadores. Se, para a empresa continuar lucrando, for necessária a imposição de um ritmo de trabalho estressante aos empregados, ou uma demissão em massa para cortar custos quando estes trabalhadores não forem mais necessários, ou qualquer outra coisa que prejudique os empregados, certamente a empresa o fará sem pestanejar, sob pena de perder investidores, ir a falência ou deixar de existir enquanto empresa se não o fizer. E não serão as técnicas modernas de gestão, o “espírito empreendedor” do donos ou o ambiente infantilizado da empresa que mudarão esta realidade. No fim das contas, o trabalhador das startups modernas de tecnologia está tão sujeito aos desmandos do patrão quanto o trabalhador do chão de fábrica.
O que fazer?
Se nós, trabalhadores da era digital, estamos tão reféns do empresariado quanto os trabalhadores do passado, precisamos nos organizar como os trabalhadores de antigamente o fizeram, ou como trabalhadores de outras categorias fazem, para sair desta condição.Há inúmeros exemplos na história do movimento operário onde os trabalhadores conseguiram barrar demissões em massa como a da RD através de mobilizações, paralisações e greves. E nada impede que os profissionais de TI façam o mesmo para que suas necessidades sejam ouvidas.
O Infoproletários é um grupo de trabalhadores que busca criar resistência entre os trabalhadores da área de TI, e se coloca à disposição dos trabalhadores demitidos para ajudar no que for preciso e aos que não foram demitidos para resistir a casos de abusos como esse.