A Reforma da Previdência 2019 não é uma tentativa de equilibrar a economia, ela é parte do desmonte da aposentadoria de milhões de brasileiros que vem acontecendo desde que ela foi instituída. Segundo o DIEESE, em 2014, apenas 0,5% da população de 60 anos ou mais estava em situação de extrema pobreza. Contudo, sem a Previdência, uma parcela expressiva dos idosos viveria em situação de pobreza extrema.
É isso mesmo que você leu. A maioria dos brasileiros com mais de 60 anos depende do dinheiro da previdência para sobreviver e sem ele estarão condenadas ao descaso total. A falácia do Déficit Fiscal pregado pelo governo Bolsonaro e pelo terrorismo midiático escondem a verdadeira razão da pressa na aprovação da reforma: o pagamento da dívida pública que sustenta os interesses de grandes corporações e parte do empresariado brasileiro.
Esta é a conclusão a que podemos chegar analisando ponto a ponto a “proposta” que o presidente Bolsonaro quer aprovar. Mas, contra fatos não há argumentos, certo? Então vamos lá:
Reforma da Previdência: um grave ataque a luta histórica dos trabalhadores
A Reforma da Previdência é um retrocesso à longa história de luta e conquista de direitos dos trabalhadores. É preciso lembrar que Previdência Social não surgiu como uma benesse do Estado. Ela foi criada pelos próprios trabalhadores, na forma de fundos de ajuda mútua. E estes fundos de ajuda mútua foram o embrião do movimento sindical. Continue lendo para entender como funcionava a organização dos primeiros fundos.
Fundos previdenciários: o embrião da Previdência Social
A grosso modo, os fundos de ajuda mútua nasceram como “poupanças” coletivas (embriões da Previdência Social) que os trabalhadores mantinham para amparar os idosos ou trabalhadores doentes que não podiam mais trabalhar.
Nesta época, a consolidação do modo de produção capitalista no mundo inteiro foi um processo doloroso. Entenda:
- Revolução industrial muda a forma de trabalho: No final do século XIII começa a 1ª Revolução Industrial na Inglaterra, que introduz o trabalho assalariado.
- Trabalhadores migram para as cidades: As novas técnicas de cultivo e conversão de áreas de plantio em criação de ovelhas, para abastecer as indústrias com lã, expulsam os camponeses para a cidade. Desprovidos de tudo, lá se tornam operários e assim proletários. Processos semelhantes correrem por toda Europa nas décadas seguintes e no Brasil no início do século XX.
- Trabalhadores se deparam com condições de trabalho desumanas nas cidades: Livros de História, obras da literatura e do cinema mostram os ambientes insalubres das fábricas, máquinas perigosas, nenhum equipamento de segurança, operários acometidos por acidentes e doenças graves, só para citar alguns casos.
- Trabalhadores criam ‘fundos de ajuda mútua’: com a ausência do governo, a exploração dos patrões e a falta de leis trabalhistas, uma das formas que os operários encontraram de lidar com a miséria a qual estavam submetidos foi criar sociedades de socorro e fundos de ajuda mútua.
- Fundos arrecadam contribuições voluntárias: o dinheiro vinha de quem estava empregado, destinadas a ajudar quem estava impossibilitado de trabalhar, seja por doença, acidente de trabalho, por velhice. No caso do Brasil, estes fundos ajudaram até mesmo na compra de cartas de alforria (já que o país vivia em um período de transição para a abolição da escravatura) e financiar a fuga de escravos. Ou seja, a previdência surge da solidariedade entre os trabalhadores desamparados.
Previdência Social surge dos fundos de ajuda mútua e da organização dos sindicatos
Os fundos de ajuda mútua não foram suficientes para salvar os trabalhadores da miséria. Os operários mal conseguiam garantir sua própria subsistência com os baixos salários da época, quanto mais arrecadar o suficiente para dar uma vida digna aos idosos e aos doentes.
Então, como dividir o pouco que tinham entre si não era suficiente para sobreviver, os trabalhadores começaram a se perguntar: “para onde vai toda a riqueza que produzimos em nossas longas jornadas de trabalho?” E perceberam que ela estava indo para o bolso dos donos das fábricas, que viviam no luxo.
Foi aí que surgiu o movimento sindical: aos poucos, as sociedades de socorro vão se transformando em sindicatos e os fundos de ajuda mútua se convertendo em caixas de greve. E é só através desta luta pela sobrevivência dos operários que foi possível trazer melhorias de fato para a vida dos trabalhadores.
O modelo de Previdência Social Pública que temos hoje (e que o governo Bolsonaro quer derrubar) é o modelo de solidariedade construído entre gerações de trabalhadores ativas e inativas, inspirado nos fundos de ajuda mútua dos operários do passado.
Previdência Social e sindicatos: a estratégia para controlar a massa trabalhadora
O auge da efervescência de força operária foi em 1917 com a Revolução Russa. A União Soviética, que emerge da revolução como um Estado controlado pelos trabalhadores, foi pioneira em materializar os ditos direitos fundamentais do Homem como alimentação, saúde, moradia, etc. Estes direitos eram prometidos pelos ideólogos liberais dos séculos anteriores, mas o capitalismo nunca conseguiu cumprir.
Reflexos da Revolução Russa nos países capitalistas:
- Pressão dos trabalhadores em cima dos patrões: se os capitalistas não atendessem minimamente às reivindicações operárias, o próprio capital estaria em risco de ser derrubado por uma revolução.
- Classes trabalhadoras à beira da revolução: no final da 2ª Guerra (com a vitória da União Soviética e os países capitalistas do Ocidente arruinados pela guerra), os operários estavam em péssima situação, os anseios revolucionários da classe trabalhadora aumentam.
- ‘Estado de bem estar social’: no meio dessa ebulição, o Estado de bem estar social surge como uma forma de manter o controle dos trabalhadores que voltavam da guerra armados e tinham as revoluções de 1917 como algo fresco em suas mentes. Para se ter uma ideia da força destes movimentos, só o Partido Comunista Italiano tinha 1 milhão de filiados e mais 1 milhão de pessoas estavam filiadas ao Partido Comunista Francês.
- Nascem os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs): No Brasil o fundo das aposentadorias que até 1930 eram de responsabilidade dos trabalhadores organizados passou a ser gerenciado pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), colocando esse fundo sob influência do Estado e mais adiante a serviço do Estado. Essa tutela estatal era, na essência, um maior controle do movimento operário, mas na aparência uma benesse estatal.
Ditadura Militar inaugura desmonte da Previdência Social
Após 1964 os fundos salariais que eram utilizados única e exclusivamente para fins de previdência passaram a ser assaltados.
1964, como você deve se lembrar, é o ano do golpe militar no Brasil, que legitimou o saque aos fundos dos trabalhadores. Outro ponto definitivo para o saque foi a Reforma Trabalhista.
Ela retirou pontos importantes que garantiam a estabilidade de emprego criando o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), entre outros.
Depois da unificação de todos os Institutos de Aposentadorias com o INPS em 1966, veio o pulo do gato: os recursos da Previdência Social passaram a ser redirecionados para obras de infraestrutura, construção civil e pagamentos de financiamentos externos. Importante notar que essa série de financiamentos externos na Ditadura Militar inaugura a crise da dívida pública gigantesca e gera um arrocho salarial que culmina com as greves do Grande ABC Paulista no final dos anos 70 e na estruturação do movimento sindical do setor público.
O assalto à Previdência e o início da Dívida Pública
Com o modelo exaurido da Ditadura veio a democracia e logo adiante a abertura comercial. Essa abertura levou o mercado brasileiro a ser inundado por produtos estrangeiros e com isso gerou uma quebradeira geral no setor industrial e um estrangulamento do mercado interno.
Os grandes empresários que não conseguiam mais competir venderam suas operações para monopólios corporativos. O dinheiro que sobrou dessas vendas foi aplicado em títulos da dívida pública, com uma remuneração incrível e lucrativa que chegava a 46% ao ano – uma ótima saída para a burguesia falida continuar lucrando por meio da especulação.
Essa é uma da razões por que a Dívida Pública – que era de R$ 400 milhões em 1994 – agora está em 5 trilhões de reais, incidindo uma taxa que gira em torno de 8%, 10% e 12%, o que faz com que o estado esteja sempre em austeridade contra o povo (agravado pela lei de responsabilidade fiscal em 1999 e o teto de gastos aprovado no governo Temer).
Na Constituição de 1988 foi criado o Sistema de Seguridade Social e imediatamente após essa aprovação, começaram a fazer emendas constitucionais sistematicamente, que continuaram esse assalto à Previdência e estabeleceram a desvinculação das receitas da União, assaltando 20% da verba estatal da Previdência.
Inclusive nos períodos petistas – de 2005 a 2015 – foram 500 bilhões de reais desviados da Seguridade Social através de desvinculações, destinando o dinheiro suado dos trabalhadores para amortizar a dívida pública e financiar a farra da desoneração fiscal no Brasil.
Assista:
Qual é o verdadeiro interesse por trás da Reforma da Previdência?
O objetivo da reforma da previdência é garantir o pagamento contínuo e estável dos juros e amortizações da dívida pública. Não é atoa que, na chamada PEC da morte, ou teto de gastos, entraram todas as despesas menos as financeiras. Para se ter uma idéia da situação atual, a despesa com a Previdência Social é a segunda maior com (25% da despesa total da União), só ficando atrás da despesa com juros e amortizações (com 41% da despesa total da União). E, na lógica do mercado, é preciso reduzir os 25% para garantir a ampliação dos 41%.
Isso garante a reprodução do capital especulativo, mas garantir a reprodução do Capital como um todo, eis o verdadeiro interesse com essa série de ataques aos direitos dos trabalhadores. Ataques que vão desde a terceirização irrestrita, trabalho intermitente, negociado sobre o legislado, demissão por comum acordo, etc. A reforma da previdência é só mais uma batalha nessa guerra, mas de suma importância.
Os 5 ataques paramétricos da Reforma da Previdência
- Fim da aposentadoria por tempo de contribuição: Se antes um trabalhador com 55 anos de idade e 35 de contribuição podia se aposentar agora terá de trabalhar até os 65 para ter direito à aposentadoria.
- Aumento no tempo de contribuição para integralidade: Se antes um trabalhador com 65 anos de idade e 35 anos de contribuição em 3 salários mínimos receberia 3 salários mínimos, agora terá de trabalhar até os 70 anos para completar 40 anos de contribuição e ter direito a 3 salários mínimos
- Redução no cálculo das aposentadorias não integrais: Se antes um trabalhador com 65 anos de idade e 30 anos de contribuição em 3 salários mínimos teria um benefício de 2,6 salários mínimos ao se aposentar, agora terá um benefício de 2,1 salários mínimos.
- Cálculo da aposentadoria integral (fim dos 80%): Se antes um trabalhador com 65 anos de idade e 35 anos de contribuição sendo 7 anos contribuindo para 1 salário mínimo e 28 para 5 salários mínimos seu benefício seria de 5 salários mínimos, agora seu benefício seria de apenas 4,2 salários mínimos.
- Pensões por mortes: Se antes a pensão era 100% do benefício, agora é de 60% mais 10% por dependente.
Vale lembrar que todos esses itens podem ser combinados, assim um trabalhador com 60 anos e 25 de contribuição não poderá se aposentar, terá de trabalhar mais 5 anos. Aos 65 terá 30 anos de contribuição, se destes 6 anos contribuiu para 1 salário mínimo e 24 anos para 5 salários mínimos, teria pela regra atual um benefício de 4,2 salários mínimos, pela nova regra ele receberia um benefício de 2,9 salários mínimos. Quando vier a falecer a pensão que poderá deixar será de apenas 1,7 salário mínimos se não tiver dependentes.
Esta não é a última reforma previdência.
Definitivamente esta não é a primeira reforma da previdência, e com certeza não será a última. A fim de facilitar isso querem desconstitucionalizar o máximo possível a Previdência Social, já que uma PEC necessita de 3/5 dos votos, enquanto um projeto de Lei apenas 50% + 1. Embora o texto aprovado na Câmara até então mantenha no texto constitucional alguns parâmetros da previdência, como as idades mínimas de aposentadoria dos servidores da União e dos segurados do Regime Geral da previdência (que abrange trabalhadores do setor privado e contribuintes individuais), a maioria dos parâmetros de concessão de benefícios a estes segurados foi desconstitucionalizada, incluindo parâmetros importantes como tempo mínimo de contribuição e a regra de cálculo do valor das aposentadorias. Ou seja, agora o trabalhador terá que conviver com incertezas sobre quando poderá se aposentar e o quanto irá receber quando aposentado, já que tais parâmetros podem ser alterados com facilidade.
A capitalização foi retirada do texto aprovado na Câmara, mas pode voltar já que esse é objetivo final do Capital para a previdência pois libera uma parte maior do orçamento por um lado e pelo outro obriga os trabalhadores a atrelar seu futuro ao futuro do capital. Esse modelo de previdência é nefasto para os trabalhadores, e já vem dando errado em muitos países como o Chile por exemplo.
Consequências imediatas da Reforma da Previdência
- Destruição de núcleos familiares – Estamos caminhando para o modelo chileno de Previdência que foi aprovado durante a Ditadura Militar no país. Graças à este modelo, hoje o Chile tem os idosos com maior nível de pobreza da América Latina, com a maior taxa de suicídio entre idosos, entre outras atrocidades.
- Empobrecimento das pequenas cidades – Cidades pequenas de norte a sul o país recebem um influxo maior de recursos via benefícios da Previdência Social do que por transferência do governo federal para o municipal. Assim um arrocho no nas aposentadorias representa também um arrocho na renda de cidades inteiras do interior, o que pode resultar em migração em massa do interior para as cidades, como nos anos 20.
- Piora nas condições de trabalho e qualidade de vida – Jogaremos quatro gerações de força de trabalho na mesma concorrência de trabalho: você está competindo com a geração dos seus pais, dos avós e da nova geração que está entrando agora. Com isso os empresários ganham já que a alta procura por emprego joga os salários para baixo e os trabalhadores se submeterão a tudo pelo emprego. Por que você acha que eles (os empresários) são a favor da reforma?
O que fazer?
O que é um mito senão uma ilusão, uma visão distorcida da realidade? Mitos só caem quando confrontados com a realidade,mas ver a realidade não é tão trivial como parece. Desvendamos aqui que a Previdência Social é na verdade fruto da organização dos trabalhadores e não uma bondade do Estado. Foi com muita luta, suor e sangue que conquistamos o que conquistamos. Essa é a realidade que tentam nos esconder. Digamos um basta a todos esses sanguessugas! Somos trabalhadores, somos classe trabalhadora, precisamos olhar para nossas origens e entender que se foi a luta que nos trouxe até aqui é ela que nos levará adiante. Nenhum mito pode contra a avassaladora força da realidade, o desemprego e a piora nas condições de vida e trabalho já batem à porta enquanto falas estapafúrdias tentam ganhar tempo. Condições radicais de vida só serão combatidas com mobilizações radicais. Informe-se e movimente quem você conhece em sua cidade para participar de manifestações, das ações que estão sendo feitas nos sindicatos e outros grupos independentes como o Infoproletários. Não abaixe a cabeça. É o presente que está em jogo.
Podcast do Infoproletários sobre a Reforma da Previdência: https://infoproletarios.org/2019/07/28/infocast-deforma-da-previdencia/
Abaixo-assinado contra a Reforma: https://www.change.org/p/trabalhadores-contra-a-reforma-da-previd%C3%AAncia/psf/promote_or_share
Fontes:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392004000300004
https://auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2019/02/grafico-2018.pdf
https://www.dieese.org.br/livro/2017/previdenciaSintese.pdf
https://www.dieese.org.br/evento/2017/14JornadaReformaTrabalhista.pdf