Por que as empresas de TI catarinenses querem estender o home office?

Em post anterior, anunciávamos que a adoção do trabalho remoto pelas empresas de tecnologia, imposta pela pandemia do COVID-19, logo mostraria-se lucrativa para as empresas. Mostramos também as consequências negativas destas mudanças para o trabalhador.

Tal tendência parece estar se confirmando, ao menos nas empresas de tecnologia de Santa Catarina. É o caso de empresas como Softplan, Neoway e Supero Tecnologia, que estudam a possibilidade de manter o home office até janeiro de 2021. Já a HostGator, onde os trabalhadores já estavam em trabalhando remotamente desde março, anunciou a extensão do período do home office até junho de 2021. O motivo para tal, segundo as próprias empresas, seria o aumento de produtividade percebido durante o período em seus funcionários estiveram trabalhando de casa.

Transferência de custos ao trabalhador

Segundo matéria do G1, uma empresa de São Paulo com 500 funcionários que praticasse home office 2,5 vezes por semana, economizaria de R$2,8mi até R$11mi por ano apenas com aluguel. Certamente as empresas de TI catarinenses obteriam vantagens semelhantes, já que boa parte delas é localizada em bairros com os aluguéis mais caros da cidade.

Além disso, o home office possibilita às empresas cortar custos com água, internet, equipamentos, entre outros. Embora algumas empresas forneçam equipamentos a seus funcionários e/ou ofereçam algum tipo de abono para arcar com custos com luz e internet, dificilmente este valor supera os gastos da empresa com infraestrutura. Isto demonstra que houve não só economia para a empresa como também transferência de custos para o trabalhador.

Maior jornada de trabalho e ritmo de trabalho mais intenso

Fatores inerentes ao trabalho remoto, como a redução de tempo de deslocamento, podem explicar parte do ganho de produtividade propiciado por esta modalidade de trabalho. Por exemplo, há casos onde é possível fazer duas reuniões no tempo de uma ao eliminar o tempo de viagem até o local da reunião.

No entanto, parte deste ganho é devido ao entendimento dos empresariado de que o trabalhador em home office não têm jornada de trabalho definida. Privilegiaria-se então a produção e a entrega em detrimento das horas trabalhadas, não havendo mais o limite de 44 horas de trabalho semanais. Não haveria também o pagamento de horas extras. Organizações empresariais como a ACATE (Associação Catarinense de Tecnologia) inclusive orientam suas empresas filiadas neste sentido.

Na prática, isto faz com que o trabalhador, para atender as demandas, ou trabalhe mais que 8 horas diárias, ou acelere seu ritmo de trabalho. Ambas as situações, apesar de vantajosas para a empresa, causam stress e prejudicam a qualidade de vida do empregado.

Riscos ergonômicos

O home office permite às empresas transferir aos empregados não só parte de seus custos como também de suas responsabilidades com a saúde do trabalhador. Ao adotar o trabalho remoto, as desobrigam-se a organizar seus escritórios de acordo com as exigências legais.

Hoje, nossa legislação obriga as empresas a seguirem a Norma Regulamentadora Nº17 (NR-17), elaborada pelo Ministério do Trabalho para evitar doenças ocupacionais. Tal norma visa garantir que a empresa dispõe de condições de iluminação, nível de ruído, temperatura e mobiliário adequados ao trabalho. Cabe então às empresas realizarem a análise ergonômica do trabalho (AET) para avaliar seu ambiente de trabalho, o que pode ser complexo e custoso.

É fácil perceber que, em muitos casos, o trabalhador individualmente não teria como adequar seu escritório em casa à NR-17. Enquanto questões como altura do monitor ou apoios para os pés seriam simples de tratar, problemas como o nível de ruído de umidade podem ser impossíveis de resolver dependendo de onde o trabalhador mora. A consequência disso é que os trabalhadores ficam mais sujeitos a desenvolver doenças ocupacionais.

Além disso, o cenário para o trabalhador que sofre lesão durante o home office por falta de ergonomia se torna nebuloso. No caso da lesão ocorrer em trabalho presencial, o entendimento da justiça do trabalho é que o trabalhador deve ser indenizado ou afastado. Já com o trabalho remoto, há margem para que a empresa culpabilize o trabalhador afastado. Uma empresa poderia, por exemplo, argumentar que forneceu mobiliário adequado e cartilhas de ergonomia para seus funcionários, e que o trabalhador se lesionou por desleixo.

Por um home office melhor

O trabalho remoto, além de ser uma necessidade em tempos de pandemia, tem o potencial de tornar o trabalho mais confortável e eficiente. Tanto é verdade que boa parte dos trabalhadores da área de TI têm uma visão positiva sobre este regime de trabalho. Porém, ele não pode servir como forma de repassar custos e responsabilidades que antes eram da empresa ao empregado. Um home office benéfico precisaria vir acompanhado de:

  • Auxílio home office mensal em um valor que de fato cubra os gastos do trabalhador com infraestrutura;
  • Medidas para evitar que a jornada de trabalho diária de cada empregado ultrapassasse o limite de 8 horas;
  • Mecanismos para responsabilizar a empresa em casos de acidentes de trabalho e lesões como LER ou DORT.